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Bumbum para lua - Relato de cesárea do Bento

Atualizado: 26 de set. de 2020

Nascimento pélvico podálico Bento

Escolhi 04 de abril, em que faço 33 anos, para falar sobre meu parto. Mas a publicação só pode acontecer hoje.


Senta que lá vem história!

Vai ser longo para ser real. Não se resume tanta emoção em 20 linhas. Porque sim, dá para ser emocionante mesmo que não tenha sido absolutamente nada como você imaginou. É aquela história: um parto tranquilo e uma gestação sem intercorrências não teriam me engrandecido tanto. Foi doloroso mas real e necessário para que hoje eu saiba acolher melhor, sem julgar, todas as mulheres à minha volta.



Serra do Cipó - Minas Gerais - 16/11/2017

A gestação teve lá suas intercorrências, mas foi de paz. Apesar das insônias, das infecções urinárias de repetição, da internação por pielonefrite, da ponte miocárdica, da diabetes gestacional, da bariátrica e do bebê pélvico, eu me senti sempre em paz. Para os outros parecia muito problemático. Para mim estava bem, me sentia linda e plena sim. Muitas mulheres não se sentem bonitas e confortáveis com a gestação. Tive a sorte.

Moro em área remota no oeste do Pará e com gestação de alto risco não era viável se manter por aqui. Com 34 semanas voamos para Minas Gerais ao encontro da minha equipe. Equipe bem recomendada e já preparada para não me enganar rumo ao meu desejado parto natural. Multidisciplinar e capacitada, como deve ser.

Todos os problemas que descrevi acima não eram, nenhum, recomendação absoluta de cesariana. Era possível e recomendável o parto normal. Melhor para mim e para o bebê desde que respeitássemos algumas evidências científicas. E eu acreditei nesta capacidade.


O único fator que me amedrontava era o fato de estar pélvico. Pélvico é quando o bebê está sentadinho e não de cabeça para baixo como a maioria. Eles nascem de bumbum e sim, é possível. Entretanto este parto tem lá seus riscos e suas lendas. E apesar de haver segurança quando a equipe sabe manusear e sabe avaliar alguns fatores, minha experiência pessoal com o parto pélvico era muito ruim. Ser médica não facilita, como as pessoas pensam. Desfavorece totalmente. Em toda a minha carreira pediátrica tive 2 assistências a pélvicos que foram muito infelizes. Hoje, avaliando friamente, percebo que o problema nestes partos não foi a variação da normalidade e sim a assistência inadequada a estas gestantes. Mas a minha cabeça perseguia o meu coração. Uma vontade louca de assumir e um medo absurdo de não saber lidar com possíveis conseqüências. Assim como uma insegurança gigante sobre a cesariana e a certeza dos riscos para mim e pro Bento.


Serra do Cipó - @danieladjeanpartos

O fato é que eu estava naquela fase de : dieta para diabetes, usando remédio para evitar mais uma infecção de urina e ansiosa com a possibilidade em fazer a versão cefálica ( aquele procedimento em que o médico, com a mão, tenta virar o bebê de cabeça para baixo para uma melhor posição para nascer. ) Já estava tudo combinado. Versão cefálica marcada para domingo dia 03/12 no Sofia Feldman. Previsão de nascimento próximo de 21/12. Diabetes em controle. Fazendo acupuntura para tentar virar o bebê naturalmente, sem infecção de urina. Na casa da minha irmã em BH, no aguardo dos próximos passos.


Dia 28/11 fiz um sessão de agulhadas. Bento mexeu muito, como nunca havia visto. Mas não virou. O obstetra recomendou fazermos um dopller de uterinas pela diabetes e para nos prepararmos para a versão cefálica de logo mais. E Dia 29/11 tive alguma sensação diferente uterina, como se fossem cólicas pré menstruais. Mas desconsiderei. Bebê mexeu pouco, acreditei que estava cansado das mexidas do dia anterior.


Então chegamos no fatídico dia 30/11. Bento não se mexeu neste dia. Não senti mexer na madrugada e nem pela manhã. Mas nem me importei. Estava em paz.


Lago do Batata - Porto Trombetas/ PA - Foto do Marido


Cheguei na ultrassonografista no final da manhã, previamente agendada, e a mesma me recebeu para o exame. Ela fazia o procedimento e gesticulava, sempre com negativismo e caretas ruins ao visualizar a tela. Eu, mesmo entendendo bem, não via o porque dela se preocupar tanto. Tentei me manter relaxada mas, então, começou a sessão de terror: A mulher, que eu mal conhecia ( não era minha médica), começou a dizer :" - esse neném não esta nada bem. Está péssimo, está horrível. – e continuava – Eu não costumo dar pau em crianças, mas no seu bebê eu vou dar. "


Como assim: que linguagem é essa? - "Filha, você acha que por eu ser médica estes termos não me afetam?" – Pensei.

Mas ela continuava com a sessão de terror. Pediu que eu saísse do consultório e fosse até uma lanchonete comer, pois Bento, naquele momento, só batia o coração mas não se mexia, não tinha movimentos respiratórios e o tônus era ruim. Ou seja: vitalidade ruim. Acreditou que fosse pela glicose baixa já que eu estava usando metformina e fazendo dieta.


Desci para lanchonete, mas engasgada. Pensando em como eu havia procurado por profissionais tão humanos e havia caído naquela cilada de um ultrassom terrorista com uma profissional sem sensibilidade. O fato até poderia existir, mas por que essa forma grosseira e impetuosa de avisar a alguém uma notícia dessa?

A comida mal desceu. Ficou entalada. Acreditar ou não numa profissional que você nunca viu na vida? Meu marido preocupado com o que poderia acontecer, tenso. E eu ali tentando entender ainda a informação. Por que Bento estava quieto? O que havia para aquilo? Mas tentei por fora me manter calma, passar calma para Bento e para Pablo.

Voltamos ao consultório. Ela logo chamou. Repetiu, repetiu e disse: “Definitivamente seu bebê vai levar pau. Está horrível esta vitalidade. Vou ligar pro seu obstetra. Não me saia daqui. Por mim você vai direto daqui pra cesariana.”




E ficamos na sala de espera aguardando que ela se comunicasse com meu médico. Desta sala eu ouvia ela dizer ao meu médico que não vacilasse que ele iria perder este bebê. Poucos minutos depois ele me ligou: “Mariele, vá para casa, almoce e entre em jejum. Sei que Bento costuma ser quieto durante o dia, seu liquido está bom e o batimento fetal bom. Coma, entre em jejum e nos vemos no final da tarde. Talvez seja necessário mesmo cesariana ou indução. A indução pode não ser uma opção. Veremos”



E digo que foi uma tarde terrível: de um lado a ultrassonografista que dizia que deveria tirar agora. Do outro o obstetra que me mandava esperar até as 17h. E eu no meio disso pensava se esta vitaldade duraria até as 17h mesmo ou se a médica do exame tinha sido exagerada e rude. Será que ela sofria de esmeraldite? Que é um termo que uso quando um médico cuida de outro médico ou de um familiar seu. Sempre um excesso de zelo que acaba prejudicando a todos: sempre prescrevem mais exames, mais antibióticos para gente. Como se médico não pudesse falhar com médico e por isso sempre pesam a mão. E se não ficarmos atentos, sofremos intervenção atrás de intervenção.



Mas confiava no meu médico. Tentei relaxar. Mas óbvio, que voltando para casa chorei uns 30 minutos, com muito medo. Como ficamos frágeis né? Por isso tantas mulheres sofrem violência obstétrica nesta fase da vida. É o momento em que a mulher mais se sujeita ao que for, pelo instinto de maternar. Mesmo com toda informação do mundo, eu só sentia medo. Medo de perder, medo de passar por uma cirurgia, medo de não ter meu filho no colo, de não fazer pele a pele, de precisar de UTI, medo do medo. Fico hoje imaginando mulheres que não possuem apoio, não possuem seus parceiros ao lado ou então aquelas que não entendem nada de medicina. Seria privilégio ou mais uma desvantagem ser leiga?



Eu havia me programado para fazer barriga de gesso naquela semana. O gesso estava lá. Tudo lá na casa da minha irmã. Meu marido sugeriu fazermos a barriga após o almoço para despedirmos dela, se fosse o caso. Mas eu não quis. Minha alma estava marcada pelo medo e aquela lembrança daquela barriga, naquele momento, não era grata.


Passei a tarde incomodada. As 16h comecei a sentir algumas contrações. Evitei comentar para não deixar ninguém apavorado. Elas vinham a cada 10 min. Pensei ser tensão, afinal estávamos só com 37 semanas de gestação, um bebê aparentemente com pouca vitalidade e um medo do cão. Bento acabava de deixar de ser prematuro.


Com o passar do tempo a contração começou a vir a cada 5 min. Daí sugeri a todos, com outras desculpas, que fossemos para perto do consultório esperar lá, com medo de que pegássemos trânsito e eu tivesse um parto pélvico no banco do carro.


Saímos e fomos rumo à área hospitalar de BH. Lá chegando as contrações ficavam mais fortes. Contei ao meu marido e irmã e comunicamos ao médico que pediu que eu contasse as contrações e fosse o informando.


Decidimos ir para o shopping distrair até a consulta. E lá lembro de todos tentando me ajudar e eu tensa, com a contração, com medo de parir no shopping e lembrando de todos os bebês pélvicos e sofridos que já vi nascer. Nesta hora não lembrei de nenhum dos bem sucedidos. Aquela mulher havia contaminado toda a minha determinação.


A louca aqui chegou a ir pro banheiro do shopping, lavar a mão com álcool e fazer um toque vaginal em si mesma, com medo de evoluir naquele local.


Contração a cada 3 minutos, comunicamos ao meu médico que pediu que eu fosse pro Hospital.

Chegamos lá num transito danado. Quase às 19h. A minha enfermeira obstetra já estava lá, aguardando, gravidíssima e linda. Acompanhou-me na consulta que foi bem pontual:" ele precisa nascer hoje pelo que vimos no ultrassom. Você já esta em trabalho de parto, bem no início, pode se que demore muito. Você vai pagar por este parto pélvico, podálico, em primípara, com baixa vitalidade? É isso que você quer? Se for normal vamos ter que vigiar vocês a cada 20 minutos para ver se ele agüenta."


Mamãe, Ana da equipe Bom Parto BH e Eu

Claro que não. Esta foi a resposta. Se o pélvico para mim já era difícil, em boas condições, imagine só nestas? Imagine só com esta pergunta com todos os poréns. Tinha um não certo ali por trás. A escolha era minha mesmo. Mas hoje me pergunto se tive escolha. Mas enfim, não dá para transferir responsabilidades. Poderia ter sido sim normal. E lindo, certamente, mas eram muitos “se”. Eu não saberia lidar com um "se" verdadeiro, um "se" que desse errado.


"Escolhi" a cesariana. Nisso meu marido ainda nem estava no consultório pois procurava estacionamento. E a partir deste momento foi só estresse. Já eram 21h quando fomos convocados à internação. Hospital não aceitava cartão de crédito e nem débito. Era dinheiro vivo ou cheque. Não havíamos levado cheques para Minas Gerais. Que raios de pessoa anda com quase 10 mil no bolso numa quinta feira as 21h da noite, com data provável de parto para 3 semanas adiante?


Foi muito estressante. Eu convencida de que Bento poderia estar sob risco de vida. Dinheiro na conta mas sem possibilidades de pegar naquele momento e uma recepcionista desatualizada da obrigatoriedade em me internar, sob penalidade de lei. Até que tudo se esclarecesse, foram contrações, choros e muito nervosismo na recepção. Um hospital totalmente desumano, despreparado e teoricamente só lida com maternidade. Péssimo. Não recomendado. Mas prefiro me abster de nomes. Quem sabe um dia me abra melhor para tudo que penso da minha experiência?


Será que estávamos com medo?

Tive a fotógrafa e a enfermeira barradas na porta. Eu deveria trocar meu marido por uma delas. “Oi?”. Com muita conversa e apoio do médico, liberaram uma pessoa a mais. Acabei “optando” pela fotografia já que na cesariana a enfermeira não teria muita cena. Na verdade não foi uma opção. Mais uma vez o hospital rasgou todos os meus planos.


Subimos, nascimento de gêmeos, de prematuros antes de mim. Até que depois de longa espera fui colocada numa sala. Anestesista seco, bruto, só mudou a postura depois de saber minha profissão . Infelizmente é realidade. Anestesiada com sucesso, sozinha no bloco pois ainda não haviam permitido a entrada do meu marido. Quando ouço a pediatra gritando no corredor: “vocês avisaram para essa mãe que não temos vaga no cti pro bebezinho dela?”



Apoio dele, fundamental

Como assim? Um bebê com alto risco de intercorrências, a mãe só é avisada da ausência de vaga minutos antes do parto, já anestesiada, sem ter como fugir. Como interromper aquela sucessão de eventos horríveis? As técnicas de enfermagem cochichando nos cantos. Uma delas chegou a falar “ai que saco” porque eu pedi para fazermos a cirurgia na sala em que havia visor. Já que toda minha família havia viajado por 2h para estarem lá na hora da minha consulta.


Pedi para chamar a pediatra e avisei: Quero pele a pele imediato, clampeamento tardio de cordão ( quando parar de pulsar) e não aceito o colírio. Preserve a hora de ouro, por favor.


O olhar foi de espantamento." Índia" pediatra ela nunca deve ter visto. E me respondeu que não poderia e que faria o colírio. Eu respondi que não faria não e que se fizesse responderia perante o código de ética médica em que o profissional só pode fazer procedimentos sem autorização se paciente estiver sob risco de vida. Provavelmente ela mal sabia que o Vitelinato de prata não funciona para coisa nenhuma e que já não era indicado há tempos. E mesmo se fosse o próprio nitrato de prata. E mesmo se fosse iodo. A escolha era minha. Sem Clamídia e sem Neisseria, qual sentido deste colírio? Eu havia estudado, pesquisado e estava ciente da minha melhor escolha e não de protocolos uniformizados. Protocolos são ótimos, mas individualizar é bem melhor.


Momento tão feliz e tão tenso.


Enfim ela aceitou mas quis firmar a sua autoridade:" Mas a vitamina K eu não permito que você tire."

E recebeu de volta:" a vitamina K eu te autorizo a fazer. Mas se eu não quisesse você também não faria."


Foi assim que começamos nossa péssima relação. Para mim foi a parte mais dolorida. Saber que Bento não foi recebido como idealizei e que já propiciei tantas outras recepções mais amorosas e calorosas a outras crianças e que meu próprio filho, não teve.



Bento nasceu naquele dia, antes da virada da meia noite. Chorou logo. Eu respirei tranquila. Mãe pediatra sabe pelo choro, à distância, que o filho está bem.



BENTO SAINDO PELOS PEZINHOS



Clampeamento tardio respeitado

Pablo foi convidado a cortar o cordão umbilical após parar de pulsar, já com aspecto branquinho. E fiquei esperando que ele viesse pro colo. Mas não. Ele foi para fonte de calor radiante e comecei a ouvir aspirador e oxigênio.


É ELE

Perguntava ao meu marido o que estava acontecendo e ele dizia que estavam colocando um negócio no nariz e boca dele ( tenho fotos mas não vou usá-las. Me incomodam demais ). Como fiquei brava neste dia. Vontade louca de ir lá e ensinar que bebê com tônus bom, choro vigoroso, respirando bem não DEVE ser aspirado. E que cor NÃO indica oxigênio sob cateter. Quanta desatualização.

Mas foi o que foi reservado pro início da vida do Bento e pro início da minha maternidade. Entender que quase nada sai como planejamos. Quando Bento chegou, após uns 5 minutos, ela me mostrou o rostinho dele e encostou de longe. Solicitei o pele a pele e a resposta foi de que ele era quase prematuro. Não poderia esfriar. Nesta hora a alma gritou: "por isso mesmo que ele tem que ficar sobre mim." Gente, a melhor fonte de calor é a própria mãe. Não é possível que não entenda o básico.


Papai, Bel, Maninha e Mamãe

Pedi para desamarrarem minha mão , tirei o lençol que me cobria, o peguei , desenrolei e coloquei sobre mim. A pediatra ficou meio sem reação, mas permitiu. Acho que não queria mais brigar. E em seguida já foi explicando que sabe que "não existia indicação de oxigênio mas que achou que ia fazer bem para ele" e que no dia seguinte ia investigar problema de coração pela cianose que durou 5 minutos:” oi denovo?”. Meus Deus. Melhor ouvir isso do que ser surda, né?



Pele a pele / Golden Hour


Ai eu já sorri e pensei: amanhã já to andando. Se for o caso eu fujo;


Naquele momento eu só queria curtir aquela criança. Quanta saudade daquele cheirinho do vérnix, o quanto sua pele era quentinha e úmida. Aquele olhar paralisado, que deixou de chorar assim que me sentiu. Era evidente, ele me conhecia e me amava muito antes de saber qual a cor do meu cabelo, qual o formato da minha boca ou qual o gosto do meu leite. E precisava de mim. E eu estala ali, disposta, sem saber o tudo que passaríamos juntos. Mas certa de que minha vida iria mudar completamente a partir daquele momento. E tudo bem. Mesmo que fosse o caos. E foi.



Mas depois desta sequência de desastres no bloco, foi paz. Apesar de alguns momentos ela voltar e falar que talvez ele tivesse que ir para incubadora porque era QUASE prematuro, não aconteceu. Não precisava e por isso não foi. Ficou bem todo o tempo. Mamou ainda na cirurgia. O pai pegou, o pai colocou a roupa. Voltou pro meu colo e assim ficou até hoje.


Placenta, por ti gratidão.

As avaliações na enfermaria foram tranquilas. Recebemos alta com 48h, Bento não saiu do meu lado em nenhum momento. Bem avaliado e cuidado pelos demais pediatras.



Bento 30/11/ 2017

Uma experiência feliz de parto? Jamais. Foi um dia tenso, que apesar de condutas bem indicadas, poderia ter sido mais suave. Existem culpados desta não realização? Jamais também.


Não estou certa de um segundo bebê. Ainda estou digerindo o que se passou e as quase 90 noites em claro do início da vida do meu filho. Um doloroso puerpério e uma maternidade que só agora consegue arrancar suspirios. Mas certamente um VBAC lindo pode acontecer, muito mais convicta e preparada para os terrores do caminho, que mesmo que aconteçam, não tiram a magia de ser o melhor dia de nossas vidas.


Profissão: mamãe do Bento

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